O Ano Letivo
03 de Dezembro de 2021 ās 07:00
O Ano Letivo
Sempre trazendo textos interessantes em sua coluna semanal, Nolfeu Barbosa selecionou para hoje um texto de autoria de Leo Scott, intitulado O Ano Letivo.

Caía a chuva lentamente, naquela tarde de bastante calor. Os pingos batiam contra a vidraça e escorriam pelo batente da janela. Humberto, sentado defronte à janela, observava cada pingo d’água, até que ele se perdesse pelas frestas do batente. Betinho, como era chamado por seus pais, era um garoto de 15 anos, que mora numa casa que fica numa rua em declive que desce até a praça. Na parte de cima da rua fica a parte mais nobre do bairro, e também o forte do comércio, como farmácias, mercados, borracharias, lojas e oficinas mecânicas. Na parte de baixo, onde fica a praça, há uma parada de ônibus que leva ao centro e também ao colégio, quando do período escolar. Agora era verão e o colégio estava em férias.

Betinho olhava a chuva, distraído, torcendo que ela parasse logo para poder andar de bicicleta pelo bairro, quando notou, descendo pela rua, a garota mais bonita que já tinha visto na vida. Sua janela ficava a alguns metros de distância da rua, mas ele pôde ver, por baixo do guarda-chuva da garota, que os cabelos dela eram de um louro incomum, e certamente seus olhos seriam azuis, ficou ele imaginando. “- Onde será que ela vai e, mais importante ainda, onde será que ela mora?”, - pensou ele.

À noite, durante o jantar com seus pais, ele ainda pensava na garota. Se ela fosse mesmo nova no bairro, será que iria estudar no colégio dele? O pai, notando que ele estava muito quieto, perguntou:

- E aí, filho, tudo bem? Por que está tão pensativo?

- Tudo bem, pai, só estou pensando quando vão começar as aulas. – responde ele, pedindo licença para se retirar da mesa.

O pai olhou para a mãe e disse:

- Esse guri deve estar aprontando alguma, ele nem é muito dos estudos.

A mãe, que é professora na mesma escola em que o garoto estuda, diz:

- Pega leve com ele, este ano ele se esforçou bastante...

Na manhã seguinte, Betinho tentava jogar videogame, mas não conseguia se concentrar, ansioso pela chegada da tarde, na esperança de ver novamente aquela linda garota. Almoçou rapidamente, tomou banho e sentou defronte à janela, enquanto mexia no celular. Olhou as horas, ainda faltavam 15 minutos para as 14 horas. Tentou lembrar o horário em que a garota havia passado no dia anterior, e calculou que deveria ser por volta das 15 horas. Esperou por mais de hora até que, finalmente, a garota passa outra vez na frente da casa. Ele espera alguns minutos, grita pra mãe que vai sair, desce até a praça e lá está ela, na parada do ônibus. Assim, de pertinho, ela era ainda mais bonita do que ele imaginara. E seus olhos, de fato, eram azuis. Ele disfarçava, olhava para os lados, mas seu olhar se voltava de novo para a menina, que nem notou a presença dele; ou, se notou, sabia disfarçar muito bem. Veio o ônibus e ela embarcou, deixando Betinho com seus pensamentos em ebulição.

Na tarde do sábado seguinte, a mãe de Betinho pediu que ele fosse até a farmácia, comprar alguma coisa que ela necessitava. Ele perguntou se poderia ser no centrinho, como era chamada a parte alta do bairro. A mãe disse que a farmácia da praça era mais perto, mas ele insistiu, dizendo que iria rapidamente de bicicleta, e então a mãe concordou. Na realidade, o que ele queria mesmo era tentar descobrir onde morava a tal garota que não saía do seu pensamento. Foi na farmácia e depois circulou por diversas ruas com suas casas luxuosas, mas nada da tal garota. Voltou para casa um tanto triste e desapontado.

Domingo à noite, durante o jantar, o pai lembrou ao Betinho que ele deveria arrumar sua mochila e seu material escolar, pois as aulas recomeçariam na próxima quarta-feira. Betinho disse que já tinha arrumado tudo, deixando o pai admirado e, ao mesmo tempo, intrigado, pois a cada reinício de aulas era sempre uma luta para que o garoto arrumasse suas coisas. A mãe, percebendo a atitude do pai, fez sinal para que ele não dissesse nada, pois ela já havia notado as mudanças positivas no comportamento do filho, apenas não identificara, ainda, as razões para as tais mudanças.

Finalmente chegou a quarta-feira e, desta vez, ninguém precisou chamar o Betinho, nem ficar batendo insistentemente na porta de seu quarto. Ele já estava pronto, exatamente no horário de sair com sua mãe.

Ao chegar no colégio, foi aquela alegria costumeira de rever os antigos colegas, e a expectativa de conhecer os colegas novos. Neste ano ele não teria a companhia de seu eterno companheiro de carteira, o Ricardo, pois o pai dele era militar e havia mudado da cidade com a família. Betinho entrou na sala de aula, sentou em seu lugar e ficou aguardando ansiosamente para ver quem seria o novo colega que sentaria ao seu lado. Todos os assentos foram sendo ocupados, até que restasse vazio somente o espaço a seu lado. Ele já estava se conformando em ficar sozinho, quando entrou alguém na sala que fez seu coração pular dentro do peito, num misto de alegria e emoção. Era ela, sim, aquela garota que povoava seus pensamentos desde o instante em que a conhecera. Como se fosse um anjo, ela caminhou até sua mesa e disse:

- Oi, eu sou a Clarice, posso sentar com você?

Ele ficou pasmo, olhando para ela, tentando falar, até que balbuciou:

- Claro que sim. Eu sou o Humberto, mas todos me chamam de Betinho.

Depois disso, ele só escutou, enquanto ela falava que era filha de militar e tinham vindo morar na cidade há poucas semanas, que estava gostando bastante do bairro em que moravam. Mas a surpresa maior foi quando ela disse que já o conhecia, e que o tinha visto algumas vezes pelo bairro.

Betinho entrelaçou as mãos atrás da nuca, olhou fixamente aqueles olhos azuis tão expressivos, enquanto pensava com seus botões:

- Esse vai ser o melhor ano letivo de toda a minha vida.


Texto de Leo Scott, selecionado por Nolfeu Barbosa