O que é a morte, afinal?
Segundo os dicionários, a morte é “a cessação definitiva da vida, especialmente a humana”.
Segundo algumas pessoas, morrer é “passar dessa para uma melhor”; outras costumam dizer: “se a morte é um descanso, prefiro viver cansado”. Há ainda quem diga que “só quem morre é o morto, mesmo!” E é verdade. As pessoas que ficam pranteiam seus mortos durante um tempo e, cada vez mais, vão esquecendo quem morreu, dependendo do grau de parentesco que tinham com a pessoa morta. E isso acontece por uma razão óbvia: as pessoas precisam retomar suas vidas, suas rotinas diárias, mesmo que sintam saudade e lamentem bastante essa perda.
A morte é, sem sombra de dúvida, um mistério intrigante para todos nós. O que é, realmente, morrer? É mesmo o fim de tudo, ou há mais alguma coisa depois da morte? Haverá, realmente, vida após a morte, como pregam algumas religiões, ou simplesmente apagaremos como uma vela que se extingue? Renasceremos para a vida eterna ou seremos jogados no depósito de lixo do universo, como peças descartadas e obsoletas?
Nada sabemos, com certeza, sobre o evento morte, mas sabemos que é melhor viver com a esperança de que teremos uma nova chance, uma nova vida depois desta em que estamos, pois isso torna mais aceitável e suportável a nossa vida, mesmo com todas as vicissitudes que nos são impostas pelo nosso cotidiano.
Analisando tudo o que escrevi acima, posso afirmar, com segurança: vivamos com intensidade, amemos sem comedimento e, principalmente, sejamos leais e sinceros, sejamos verdadeiros, tanto conosco como com as demais pessoas. Sejamos amigos de nossos amigos e amemos com ardor os nossos familiares, pois são eles - amigos e familiares - que tornam o nosso fardo mais leve, mais fácil de ser carregado, e que, ao fim e ao cabo, chorarão a nossa morte e sentirão a nossa falta.
NO ANO PASSADO (Mário Quintana)
Já repararam como é bom dizer "no ano passado"? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem... Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse "tudo" se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraordinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas, no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente no último dia do ano passado, deparei com um despacho da Associated Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:
"Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados".
Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...
Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.
Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.
MAGIA (Caio Fernando Abreu)
Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas as tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.
CEMITÉRIO PARTICULAR (Jorge Amado)
Tenho horror a hospitais, os frios corredores, as salas de espera, antessalas da morte. Tenho ainda mais horror a cemitérios, onde as flores perdem o viço, não há flor bonita em campo santo. Possuo, no entanto, um cemitério meu, pessoal, eu o construí e inaugurei há alguns anos, quando a vida me amadureceu o sentimento. Nele, enterro aqueles que eu matei, ou seja, aqueles que, para mim, deixaram de existir, morreram: os que um dia tiveram a minha estima e a perderam.
Quando um tipo vai além de todas as medidas e de fato me ofende, já com ele não me aborreço, não fico enojado ou furioso, não brigo, não corto relações, não lhe nego o cumprimento. Enterro-o na vala comum de meu cemitério - nele não existe jazigo de família, túmulos individuais, os mortos jazem em cova rasa, na promiscuidade da salafrarice, do mau caráter. Para mim o fulano morreu, foi enterrado, faça o que faça, já não pode me magoar.
Raros enterros - ainda bem! - de um pérfido, de um perjuro, de um desleal, de alguém que faltou à amizade, traiu o amor, foi por demais interesseiro, falso, hipócrita, arrogante - a impostura e a presunção me ofendem fácil. No pequeno e feio cemitério, sem flores, sem lágrimas, sem um pingo de saudade, apodrecem uns tantos sujeitos, umas poucas mulheres, uns e outros varri da memória, retirei da vida.
Às vezes eu encontro, na rua, um desses fantasmas; fico a conversar, escuto, correspondo às frases, às saudações, aos elogios, aceito o abraço, o beijo fraterno de Judas. Sigo adiante, o tipo pensa que mais uma vez me enganou, mal sabe ele que está morto e enterrado.
Por Nolfeu Barbosa.